Uma dentista amiga me perguntou sobre quem cuida da boca do paciente hospitalizado. Ela havia sido chamada de urgência, para atender um paciente, internado no CTI de um grande hospital, com grave infecção respiratória no pós-operatório da retirada de um tumor intestinal.
O dente de número 36, primeiro molar inferior esquerdo, estava totalamente móvel, com a formação de uma cavidade — bolsa periodontal — entre a gengiva e a raiz, de onde saía uma secreção purulenta. Dra. Isabela (nome fictício) constatou que o dente estava praticamente solto em decorrência da infecção do tecido de sustentação ao redor. A única opção foi completar sua extração.
Passaram-se muitos dias até o paciente se recuperar da pneumonia e ter alta hospitalar.
Essa é uma triste realidade.
A saúde oral é frequentemente negligenciada pelos mais diversos motivos, como o medo, questões econômicas ou desleixo. No entanto, jamais deveria ser “esquecida” pelos profissionais de saúde e gestores, tanto do setor da saúde pública como da privada.
Essa falha no cuidado aumenta o número e a gravidade de complicações após cirurgias, como infecção respiratória e das válvulas do coração; resultam em bebês prematuros ou de baixo peso, descontrole da glicose em diabéticos e muitos outros eventos evitáveis. Se isso não bastasse — falando diretamente para os gestores —, aumenta os custos hospitalares.
Poucos hospitais têm permanentemente dentistas no seu corpo clínico. A assistência odontológica em CTI é outro “esquecimento”. Muitos gestores parecem acreditar em pasta de dente ou líquidos milagrosos para tratar cáries e reservatórios de biofilme, repleto de bactérias, endotoxinas e fatores que inibem os anticorpos, perpetuando a doença periodontal. Essa doença crônica e recorrente é o resultado de um processo inflamatório progressivo, que destrói os ligamentos que conectam os dentes aos ossos, cuja perda resulta numa mobilidade dentária excessiva.
Se o paciente necessitar de intubação, que é a colocação de um tubo especial para permitir uma melhor respiração, pode ocorrer luxação e até avulsão dos dentes acometidos, mesmo quando realizada de forma programada e por um anestesista experiente.
Todos os pacientes que necessitem uma cirurgia não urgente deveriam ser previamente examinados por um dentista. Alguns solicitarão um exame radiológico panorâmico, que ajuda a identificar problemas inicialmente não percebidos no exame clínico. Havendo placas dentárias bacterianas, essas só serão eficazmente removidas com intervenção mecânica, hoje um procedimento seguro e tolerado.
É fundamental a troca de informações entre o cirurgião, anestesista, clínico e odontólogo, para definir as prioridades. Adiar uma cirurgia pode ser a melhor decisão diante da necessidade de uma extração dentária, tratamento de um canal ou colocação de uma coroa protegendo um implante dentário. Da mesma forma, a cirurgia pode ser prioritária, mesmo diante de uma inadequada condição oral. Nas duas situações, os riscos devem ser compartilhados entre todos, incluindo o paciente.
Consultas regulares ao dentista e trabalho harmônico em equipe fazem bem à saúde.
* Alfredo Guarischi é médico
Fonte: O Globo