O tratamento dentário sempre causou muito medo às pessoas.

O equipamento, os instrumentais, os aparelhos usados antigamente causavam no mínimo, um desconforto grande ao paciente, isto sem dizer da dor propriamente.

Não havia agulhas descartáveis. As utilizadas, precisavam ter grosso calibre para poderem suportar as diversas vezes em que eram desinfetadas nos ebulidores. Ao se aplicar uma anestesia, portanto, com uma agulha destas, é evidente que se traumatizava mais do que o necessário.

Para uma cavidade ser aberta, usava-se a caneta de baixa rotação e esta só funcionava bem sob pressão. Além da força, o paciente sentia também o trepidar até mesmo da cabeça toda. Um horror!

Estas práticas todas, comuns para a época, causavam, no entanto, muita dor ao paciente.
E foi assim que se espalhou a notícia de boca em boca: dentista passou a ser sinônimo de DOR.

As mães, por sua vez, alertavam seus pequenos:
“- Se não comer o espinafre com jiló, te levo ao dentista prá ele arrancar teu dente!”

 

O DESCONHECIDO

O paciente, criança ou adulto, vinha então ao consultório como quem vai para o matadouro. Certo, absolutamente certo que ia sofrer.

Este conceito foi se efetivando pelos motivos citados anteriormente e também porque, isto em especial para crianças, o consultório de um dentista, com todos aqueles equipamentos, todos aqueles instrumentais, tudo tão grande, tão atemorizante, representava o desconhecido e nós temos sempre medo do desconhecido!

Quando este desconhecido se torna conhecido, o medo desaparece (ou diminui muito).

Baseada neste princípio tão simples é que venho, há alguns anos, realizando um trabalho com mães e crianças, já que sou Dentista da rede pública de saúde.

 

DESSENSIBILIZAÇÃO

Dei este nome pomposo àquilo que faço e que, felizmente, tem surtido um efeito muito bom.
Consiste em 3 etapas:

1ª Etapa:

As crianças novas são marcadas todas para o mesmo dia, no mesmo horário. O número ideal é 6 a 7.

2ª Etapa:

Conversa com as mães: crianças e mães são reunidas em uma sala. Esta conversa tem como objetivo dar às mães as seguintes noções:

– O que é um dente: que partes o compõem
– A má higiene causando cárie e problemas endo-periodontais.
– Como o dentista age para extrair um dente (desfazendo os ligamentos) e a mesma ação executada pelo tártaro.
– A importância da integridade da polpa.
– As duas dentições: quando nascem e sua importância.
– O valor do dente de leite
– A escova dental e a higienização bucal
– Perguntas mais freqüentes que as mães fazem ao dentista:
O antibiótico estraga os dentes?
E o Sulfato Ferroso (tão indicado para anemias)?
Dente decíduo, implantado ainda e já erupcionando o permanente
(as mães entram em pânico quando isto acontece)
Doces: o que fazer? Dar ou não?
Chupeta ou dedo? Qual o menos ruim?
Esta conversa dura em média meia hora e é tida como objetivo de dar alguma orientação às mães para que possam perceber a importância de dentes sadios em seus filhos. E também para mudar a mentalidade de certas mães (e muitas até) de que, dente de leite cariou, é melhor extraí-lo já que ele não serve para nada.

Os termos usados nesta conversa devem ser os mais simples mesmo que se perceba presentes mães diferenciadas. É que, diferenciadas ou não, as pessoas quase nada sabem de dentes. Além do que ninguém está ali para uma aula técnica. As palavras devem, precisam ser de fácil entendimento.

O importante é que não se transforme em uma palestra, embora o quadro-negro deva ser utilizado (o que lembrará uma aula) mas tudo deve ser feito para incentivar perguntas. E o interessante é que as perguntas brotam como nem se imaginava.

As crianças estão também nesta sala. Geralmente não se manifestam mas é incrível observar, mais tarde, como informações que transmitimos nesta ocasião, foram assimiladas por elas.

3ª Etapa:
AS CRIANÇAS

Após a conversa, todos se dirigem para o consultório (mães e crianças). As mães são orientadas para ficar em silêncio, só observando. A idéia é fazer com que a criança se concentre mais no dentista. Aqui é que vai iniciar o contato entre o profissional e paciente: a amizade, a confiança, a simpatia.

As crianças então rodeiam a cadeira. O dentista inicia mostrando como ela sobe e desce. Cada paciente aperta o mesmo botão (ele está começando a dominar o “desconhecido”).

Pede-se alguém para sentar ali, algum voluntário. Neste momento o dentista já pode ir observando com que personalidades vai trabalhar. É muito comum ninguém querer sentar. Se isto acontecer, basta apenas convidar aquele que já demonstrou alguma “coragem”(geralmente os maiores). Neste capítulo é também bom lembrar que sempre se deve escolher a criança que possua cárie iniciante.

Não acho recomendável qualquer exodontia na primeira consulta.

Muito bem. A criança já está sentada e os outros estão à sua volta. O profissional mostra como funcionam os botões da seringa tríplice. Para que serve o ar, para que serve a água. Todos experimentam os botões, valendo até mesmo alguma brincadeira de lançar água um no outro.

Depois é a vez do sugador.

Pronto. Agora vamos para o alta rotação. Esta parte deve merecer cuidados. É a parte talvez principal. A caneta é demonstrada com histórias (cada dentista deve ter a sua). Eu falo do chuveirinho parecido com o que se tem em casa. A broca é passada no dorso da mão de cada paciente. Explica-se a seguir que, apertando o pedal, vai sair água do chuveirinho. Costumo aqui, para “desarmar” a criançada, borrifar água no rostinho delas. Elas gostam!

Agora vamos à cárie. Passa-se o alta rotação, removendo a cárie o quanto possível para que não cause dor. Elas perguntam se está doendo e a resposta do paciente é sempre “não” porque o dentista soube escolher o dente.

Depois vem o fechamento da cavidade que pode ser com IRM ou amálgama. Todas participam, ajudando a preparar o material.

É só isto.

O interessante é observar que aquela pequena, mais arredia no início, já começa a se aproximar e depois do terceiro ou quarto ter sido atendido, é comum ela querer sentar também.

E para completar, cada criança ganha uma bola feita com as luvas que o dentista usou.

 

COMENTÁRIOS

Talvez algum psicólogo ou psiquiatra tenha reparos a fazer nesta minha conduta. É possível mas na realidade isto funciona e funciona muito bem. O tratamento feito nas sessões seguintes geralmente é recebido com naturalidade.

O prêmio maior nós recebemos quando a mãe nos diz:

– Ele não via a hora de vir ao dentista!

 

Fonte: Saúde Total

Artigos semelhantes